A nutrição de cães e gatos evoluiu significativamente nas últimas décadas. Um dos componentes que vêm ganhando destaque é a fibra dietética. Antes considerada apenas um ingrediente de enchimento nas rações, hoje se sabe que a fibra desempenha um papel essencial na digestão, na saúde intestinal e até no controle de doenças como obesidade e diabetes.
Mas como as fibras realmente atuam no organismo dos pets? Quais os melhores tipos para cada situação e quais os riscos de um excesso na dieta? Para responder a essas questões, O Presente Pet conversou com Luciano Andriguetto, médico-veterinário e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em nutrição animal. Andriguetto esclarece os principais conceitos sobre fibras na alimentação de cães e gatos, aborda suas funções e benefícios e comenta as inovações mais recentes na formulação de dietas.
O Presente Pet – Qual o conceito e a importância das fibras na nutrição cães e gatos e como elas influenciam a digestão e a saúde intestinal dos animais?
Luciano Andriguetto – Do ponto de vista funcional, fibra dietética é todo carboidrato que não é digerido e chega ao intestino grosso, onde pode ser fermentado, servindo de substrato para o desenvolvimento da microbiota intestinal. A fibra na dieta atua em vários pontos. Primeiro, reduz a densidade nutricional da dieta, aumentando o volume de alimento ingerido sem acrescentar nutrientes, de modo que a ingestão total de nutrientes pode ser reduzida. Segundo, a fibra pode afetar o trânsito intestinal, normalmente regulando-o, mas podendo tanto acelerar como retardar, dependendo da natureza da fibra. Terceiro, a fibra normalmente é determinante da microbiota intestinal, que pode ser mais ou menos saudável, dependendo da quantidade e qualidade da fibra. Cães e gatos têm aparelhos digestivos um pouco diferentes, sendo o gato um carnívoro mais especializado, de modo que é menos “equipado” para lidar com alguns tipos de fibra na dieta. Vale reforçar que fibra só existe em alimentos de origem vegetal.
O Presente Pet – Quais são os principais tipos de fibras e suas funções?
Luciano Andriguetto – As fibras são classificadas em solúveis e insolúveis, mas ambas são fermentáveis. Normalmente, fibras solúveis são fermentadas mais rapidamente, com pico de fermentação em até duas horas após a ingestão. Também, entre as fibras solúveis, há aquelas que aumentam a viscosidade da digesta, por formarem um gel com a água. Esta é uma característica indesejável, pois a viscosidade reduz a atividade enzimática, reduzindo a digestibilidade, e também pode causar desconforto intestinal, por formar espuma e reter gases.
As fibras insolúveis normalmente fermentam mais lentamente, levando de 6 a 18 horas para atingirem o pico de fermentação. Em animais de intestino grosso pequeno, como os cães e gatos, a permanência da fibra é relativamente reduzida, restringindo a fermentação da fibra insolúvel. Mesmo assim, todos os tipos de fibra são substratos para a microbiota intestinal, e a adequada combinação de tipos de fibra é o que permitirá a manutenção de uma microbiota estável e saudável.
O Presente Pet – Quais os benefícios clínicos e aplicações práticas de dietas ricas em fibras? Há riscos de fibras em excesso na dieta?
Luciano Andriguetto – Dietas ricas em fibra têm como principal benefício a saúde intestinal. Uma microbiota estável e saudável é a melhor maneira de evitar a entrada de patógenos intestinais, prevenindo diarreias e enterites. Outro benefício é o de diluir as dietas, permitindo melhor controle da ingestão de energia. O enchimento do trato digestivo com o material volumoso passa um sinal de saciedade. Além disso, as fibras insolúveis retêm água, aumentando seu volume e a sensação de saciedade. Também a produção de ácidos graxos de cadeia curta, pela fermentação da fibra no intestino grosso, contribui para o efeito de saciedade, já que esses ácidos são absorvidos e metabolizados. Assim sendo, o uso de fibra nas dietas de cães e gatos é indicado em várias situações, principalmente ligadas a controle de peso e problemas intestinais, como enterites crônicas.
Fibras dietéticas também contribuem no controle de diabetes, uma vez que tendem a retardar a absorção de glicose, portanto reduzindo o índice glicêmico da dieta, o que também leva a uma sensação mais prolongada de saciedade por não ocorrer o pico de insulina, comum em dietas pobres em fibra. Quanto ao excesso de fibra, não se espera grandes problemas, mas é importante ficar atento a eventuais perdas excessivas de peso, caso o animal não consiga ingerir toda a energia necessária. Pode haver também produção excessiva de gases, gerando desconforto e dor abdominal, além do aumento do volume de fezes. Fibras em excesso podem também interferir na absorção de alguns minerais, podendo causar perda de desempenho.
O Presente Pet – Quais as recomendações de nível de fibra na formulação de rações e dietas naturais ou caseiras?
Luciano Andriguetto – A recomendação de nível de fibra ou inclusão de ingredientes fibrosos varia muito na literatura. Cães e gatos toleram bem dietas pobres em fibras, mas também se adaptam e têm benefícios com níveis de fibra dietética total acima de 5% da ração. Então a inclusão dos ingredientes vai depender do resultado esperado e da indicação da dieta, podendo variar de 1 a 6% em geral.
Dietas naturais e caseiras podem suprir a necessidade de fibra, através do uso de ingredientes vegetais (lembrando que amido resistente também se comporta como fibra). Mas é importante cuidar com as quantidades, até mesmo para que não faltem outros nutrientes, como proteína. O volume e consistência das fezes normalmente é um bom indicativo do teor e qualidade de fibra da dieta, porém o ideal é que os tutores sempre busquem orientação profissional para a formulação de dietas caseiras.
O Presente Pet – Existem pesquisas, novas tecnologias ou inovações no uso de fibras na nutrição pet?
Luciano Andriguetto – Cada vez sabemos mais sobre os diferentes ingredientes fibrosos e seus efeitos em petfood. Aliás, é importante saber não somente o efeito sobre os animais, mas também sobre o processo de fabricação dos alimentos. O tipo e o nível de fibra podem afetar o rendimento dos equipamentos e a qualidade do kibble, afetando sua maciez, durabilidade e capacidade de retenção de água. Um ingrediente considerado como referência de qualidade como fonte de fibra é a polpa de beterraba, rica em fração solúvel, porém que não causa viscosidade. Infelizmente, o Brasil não produz essa polpa, que é subproduto da fabricação de açúcar de beterraba, o que torna seu custo alto.
Porém temos outros ingredientes fibrosos, que podem substituí-la com vantagens. A lignocelulose micronizada e prensada é uma excelente fonte de fibra insolúvel. Para petfood, ela é combinada com a fibra de mandioca. Esta resulta da extração da fécula da mandioca. É livre de casca e de qualquer fator antinutricional, sendo bastante usada na alimentação humana. Pesquisas recentes têm mostrado que a combinação desses dois ingredientes cria um composto rico em fibras, balanceado em frações solúveis e insolúveis, com excelente desempenho tanto nos animais como na fabricação, e que substitui a polpa de beterraba.
O Presente Pet – Qual seria a principal mensagem que você deixaria para veterinários, zootecnistas e tutores sobre a importância das fibras na nutrição pet?
Luciano Andriguetto – Longe de serem “enchimentos baratos” nas rações pet, os ingredientes fibrosos hoje representam excelentes ferramentas para a administração da saúde dos pets, de forma preventiva e como suporte a terapias em caso de doenças como enterites crônicas, diabetes, obesidade e outras. Fibras não são todas iguais, a escolha da fonte correta de fibra é fundamental para que se obtenha o resultado desejado. Deve-se sempre buscar orientação profissional na escolha dos ingredientes e das rações e petiscos mais indicados em cada caso.
Prof. Luciano Andriguetto
Professor na Universidade Federal do Paraná.
Disciplinas: Nutrição Animal e Nutrição Animal Aplicada para os cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia.